Temos como novas ferramentas de combate à corrupção os institutos do acordo de leniência e da delação premiada, que foram importados do direito americano e vêm ganhando força no Brasil nos últimos anos.
Nesse sentido, os institutos de acordo para não persecução penal, vêm assumindo destaque no judiciário brasileiro, podendo-se citar o acordo de Leniência celebrados pelos principais grupos de investimentos em serviços de infraestrutura do país, como CCR e Ecorodovias.
Tais acordos decorrem do envolvimento dessas empresas em atos de corrupção e lavagem de dinheiro em contratos firmados em concessões e licitações de obras pelo país e a necessidade de se buscar mecanismos mais eficazes para combater estas práticas, tendo em vista a complexidade dos casos, que, certamente, levar-se-iam muitos anos para ter o mesmo resultado, quando empregados os mecanismos tradicionais de investigação.
No caso do Grupo CCR, durante a operação da força tarefa nas investigações da Lava Jato, os procuradores federais descobriram diversos crimes ligados à obtenção de favorecimentos em contratos firmados com o Estado do Paraná.
Para desvendar o caso que evolvia executivos e autoridades públicas, foi firmado termo de leniência entre o Ministério Público do Estado do Paraná e a Concessionária de Rodovias Integradas S.A. (Rodonorte), controlada pelo Grupo CCR, em que a Empresa admitiu ter recebido pagamentos de propinas em troca de obtenção de modificações contratuais, deixando de ter que investir em vários trechos das estradas sob sua administração, onde eram previstas obras estruturais, como as de construção do anel viário em Londrina para desafogar o trânsito intenso no interior da cidade.
Já no Estado de São Paulo, foi a vez de outra grande empresa do setor de infraestrutura firmar acordo de leniência para não persecução civil e criminal. No mês de abril de 2020, a Ecorodovias, que administra as rodovias do sistema imigrantes anchieta firmou acordo com o Ministério Público e a Secretaria de Logística e Transportes de São Paulo se comprometendo a pagar R$ 638 milhões como forma de compensar os danos gerados pela fraudes à licitação e formação de cartel durante as gestões dos ex-governadores Serra e Alckimin.
Temos, portanto, que o instituto do acordo de leniência tem gerado resultados significativos nas investigações de grandes casos de corrupção.
Além dos acordos de leniência com empresas regulamentados pela administração pública, temos ainda o acordo de delação premiada, que é outro instrumento de combate a corrupção que possui as mesmas finalidades. A delação premiada visa ao levantamento de informações por parte de pessoas físicas com o intuito de desmantelar crimes contra a ordem econômica, assim como crimes de organização criminosa e lavagem de dinheiro. Podemos citar, aqui, o depoimento dos empresários donos da JBS, que acabou por desmantelar um dos maiores esquemas de corrupção envolvendo crimes de formação de quadrilha e crimes contra a administração pública e a ordem econômica no Brasil.
No entanto, em que pese a eficiência destes mecanismos empregados no combate à crimes lesivos ao patrimônio público, deve-se ter cuidado para que tais práticas não fujam ao controle das autoridades, fazendo com que a busca pela verdade real se torne algo cheio de máculas e vícios que poderiam comprometer a efetividade de tais acordos de “autocomposição”, como assim vêm sendo pronunciados pelos representantes do Ministério Público.
Isso porque, a delação premiada, instituída desde a década de 90 na legislação pátria pelas Leis 8072/90 (crimes hediondos), Lei 9613/98 (lavagem de dinheiro) e Lei nº 12.850/13 (organização criminosa), assim como o acordo de leniência, instituído pela Lei 12529/2011, trazem como fim precípuo o proteção da ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, nos termos do art. 170, da Constituição Federal.
Assim, temos que os institutos de autocomposição consistem em uma benesse legal que “premia” com a atenuação ou isenção da pena os acusados que colaborarem com a investigação criminal, delatando coautores ou que auxiliar na elucidação dos crimes ou na recuperação de bens oriundos das infrações.
No entanto, apesar da eficiência dos métodos de autocomposição, é preciso avaliar com cautela os conteúdos delatados, pois as palavras do delator ou o acordo de leniência devem sempre serem vistas com reservas, vez que podem estar imbuídas de propósitos escusos, como desviar o foco da investigação, eximir eventuais cúmplices, incriminar inocentes, tudo para obter um tratamento menos rigoroso. Além disso, a prova obtida através dos institutos da autocomposição pode ser obtida de forma ilegal, ou seja, pode ser suscetível de uso de pressão psicológica e até coação física, com ameaça de prisão preventiva. Outrossim, nos casos envolvendo acordo de leniência, ter-se-ia ainda mais ressalvas quando a possibilidade de interferência política para concessão do acordo, uma vez que os acordos são realizados por órgão administrativo (art. 86, da Lei 12.529/2011).
Por fim, temos que o instituto da autocomposição tem se mostrado verdadeira arma no combate ao crime organizado e manutenção da ordem econômica. No entanto, nota-se que o uso desenfreado desses institutos, sem que haja uma exata avaliação de seus métodos, pode ensejar problemas reflexos que podem banalizar os institutos, de modo a comprometer idoneidade da manutenção da ordem econômica por parte do Estado.